Lilly Farias
Incômodo seria a palavra. É o que me causa.
Eu odeio aquela luz escura que parece entrar dentro de mim e arrancar à força todos os segredos, até os que eu não sei que existem. Ela me deixa profundamente incomodada, perturbada e, mesmo longe dela, aquela luz ainda me perturba.
A cada dia eu tenho mais pavor daquele implacável ar de desdém, que faz com que eu me sinta incrivelmente inferior e vulnerável. Aquele semblante de poder, de quem tem domínio sobre tudo, faz com que eu tropeçe nas palavras e sinta que as minhas mãos não tem lugar para ficar.
Eu odeio aquele jeito de ser e de se portar que faz com que tudo no mundo pareça uma poesia composta por ele próprio. E o ar intelectual que faz todos os outros seres humanos parecerem meras máquinas baratas perto da capacidade divina daquele ser.
 
Tia
Lilly Farias
"-Tia, você pode tirar uma foto nossa?"
Para. Para tudo! Tia?

Eu saio da última prova da faculdade no semestre com uns 100 kilos a menos nas costas. A chuva está mais fraca que no começo da manhã e fico ouvindo a rádio pelo celular. É o Bob Marley com "Is this love", e é a nostalgia que começa. Repito: está apenas começando.
No ponto de ônibus encontro alguém que ainda me causa muito encômodo. Da última vez que nos falamos, pode-se dizer que ainda éramos crianças. E eram bons tempos aqueles. Mas o tempo que vai passando deixa os antigos sentimentos com uma superfície estranha. Nos dias de hoje, de certa forma, essa menina que me encomoda faz falta. Mas não somos as mesmas que a alguns anos atras.
No caminho do trabalho vejo uma enorme bandeira vermelha e muita gente na frente da prefeitura. É, isso mesmo: eu não resisti. Desci do ônibus e entrei no meio daquela gente toda.
Eles estavam protestando pelo preço da passagem de ônibus que aumentou. As músicas eram as mesmas de cinco anos atrás, os mesmos gritos, os mesmos hinos. Só aqueles rostinhos de estudantes tinham mudado. Poucos permaneceram, só os "apaixonados" pela luta.
E no meio de tudo, curtindo a minha nostagia, eu ouço: "-Tia, você pode tirar uma foto nossa?"
...
Prazer! Sou eu a tia. E é claro que posso tirar uma foto dos meus sobrinhos. Ainda soltei uma frase um pouco mais aterradora: "Esse tipo de foto vai ser preciosa pra vocês daqui a alguns anos".
Encontrei alguns amigos antigos. Fui almoçar com o V8. Não o via a muito tempo. E foi só nostalgia. Recordações dos tempos em que tudo era ideologia.
Nos despedimos. Ele foi pro banco, eu vim pro mercado da soja. E o tempo ainda está passando...
Lilly Farias
Uma xícara de café, um computador e papéis, muitos papéis.
Discutir sobre Karl Marx e judaísmo com o amigo de João Pessoa, via messenger, traz demasiados devaneios para alguém que está no meio do expediente. Mas isso não faz muita diferença quando o câmbio não sobe e nem desce.
A janela aqui do lado oferece uma vista panorâmica: os prédios da cidade, o morro de São Gerônimo mais ao longe e, aqui do lado, muitas árvores de um antigo quilombo que hoje é um parque onde as pessoas vão caminhar, namorar, e refletir. Um refúgio de natureza no meio desse deserto de concreto.
O dia está bem nublado e o que sobrou do sol são raios se pondo atraz dos prédios.
E eu fico olhando o parque e esqueço meus papéis. Será que este lugar ainda hoje é uma espécie de quilombo?
Lilly Farias
Filmes são uma ótima opção pra fugir do tédio da vida real. Lá tudo acontece, os cenários são deslumbrantes, as emoções são fortes e, no final, tudo parece fazer sentido. E é ótimo quando as coisas têm algum sentido. Aqui fora não costumam ter.
Se eu pudesse escolher, minha vida seria um filme de 120 minutos. A trilha sonora seria composta pelas canções dos Beatles e o cenário seria bem parecido com o de "Orgulho e Preconceito". Também teria as sublimes "filosofadas" à la Ingmar Bergman.
Meu filme certamente não seria um romance: se o cineasta insistisse no estilo, com certeza acabaria em tragédia.
Lilly Farias

Medo de amar.
Medo de trovões.
Medo de falar em público.
Medo de decepções.
Medo da solidão.
Medo da Vida.
Cultura do medo.

O medo é um sentimento de alerta diante de ameaças físicas ou psicológicas. A ilustre senhora que acompanha o medo é a ansiedade, um sentimento que precede o encontro com a situação ou o objeto do medo.

Anos atrás, quando chovia e os trovões inundavam a casa com o seu som estridente, uma menina de olhos arregalados corria para a cama dos pais. Apenas aquele pequeno canto do planeta era seguro, e o resto do mundo era inóspito e sombrio.
Agora, diante de tempestades de expectativas, dúvidas e anseios, para essa mesma menina, que possui os  mesmos olhos e o mesmo sentimento, não há lugares seguros.
A sociedade espera, cobra e impõe. Nasce o medo da não adequação aos padrões, medo do fracasso, medo de não ter.
Se, por ventura, a menina não se sentir feliz dentro dos moldes estabelecidos, germinará o medo da loucura e da solidão.
O filósofo Ralph Waldo Emerson dizia: " Faça aquilo que você receia e a morte do medo será certa".
Então, querida menina, por favor: quebre as regras, prefira "ser" ao invés de "ter" e deixe o pensamento se libertar! Você vai descobrir que a loucura e a solidão podem ser opções agradáveis.