Lilly Farias

   As primaveras costumavam ser lindas. Há alguns anos atrás, durante essa estação, eu costumava sonhar, escrever cartas, esperar e admirar as flores nascendo. Algumas pessoas não entendem a nostalgia causada pelo ciclo da vida.
   Eu nasci na primavera e na primavera me esqueci. Eu me perdi entre o sol e as flores. Eu rasguei as cartas e esqueci os sonhos e, na mesma sala vazia, diante da janela em que eu via flores, hoje só vejo sombras. Não que o ciclo da vida tenha mudado tanto assim, mas os olhos que fitam a janela ficaram nublados e o dia envelheceu.    E assim será pelas primaveras da minha vida.

Lilly Farias


   Vento, eu estou em silêncio. Quero que o meu silêncio seja uma prece. O mundo é tão grande e o meu coração é tão desesperado... ele sente muita vontade de fugir. Fugir pra bem longe daqui, para onde o passado seja uma remota lembrança sem nostalgia. Algum lugar onde eu consiga enganar o meu Mapa Astral, onde a minha vontade seja soberana e a minha mente possa voar livre sobre as árvores, sobre o azul do mar e sobre o tempo.
   Vento, por aqui a vida não faz sentido. Nesse lugar eu me perdi de mim, eu esqueci a minha ideologia, as minhas crenças, a minha razão e a minha poesia. Nesse lugar eu afastei de mim tudo que fazia o meu coração bater e agora ele está em silêncio, como eu.
   É por isso que eu quero ir embora. As ruas desse pequeno lugar são o retrato do meu passado que eu tento desesperadamente esquecer. E eu... Ah! eu queria tranformar o amor em ruína. E eu queria abandoná-lo esta noite.
   Não levo bússola, não levo mapas e nem fotografias. Todas essas coisas nos tornam ainda mais perdidos. Mas eu levo o meu triste coração como guia e eu te seguirei para onde for, vento. Para além de todas as coisas irá comigo o meu silêncio.
  
Lilly Farias


Foram dias frios e eu estava longe de casa. Aquela cidade era cinza, nublada e chuvosa. Aquela cidade era um poema desconhecido, cheio de encanto.
Quando eu lembro daqueles dias, eu lembro da tua mão. Andamos de mãos dadas por becos, ruas, lojas antigas... e parávamos pra tomar café, conversar sobre o tempo, sobre a vida e sobre o futuro.
Me apaixonei pela cidade mais do que por você. Essa é a triste verdade. Aprendi a amar o cinza, o chuvoso e, sobretudo, o café.
Lilly Farias
Aqui estou eu, na beira do pantanal. Acordo e vejo uma serra coberta por árvores retorcidas. Retorcido destino! Eu sou o cerrado.
Sem rumo, vou caminhando pelas estradas de pó. A estrada poeirenta da minha jornada me envelheceu.
Vina, grande poeta, sinto sua falta!
Lilly Farias
Acordo entre os acordes de uma música que vem de longe. Onde estou? Quem eu sou? Qual a razão disso tudo?
Minha alma atordoada passeia entre o bem e o mal.
O meu sorriso de menina que não sabe o que virá no futuro esconde medos perdidos em um espírito solitário.
Eu queria pedir pra você ficar. "Não, por favor, não vá embora." Mas há regras dizendo como não agir, como não falar e como não pensar.
Eu queria que você ficasse, me colocasse no colo e dormisse ao meu lado. Eu queria dizer no teu ouvido o que a minha razão insiste em calar. É só você quem pode ocupar esse lugar ao meu lado, na minha vida, no meu ouvido e na minha cama. Eu parafrasearia o Djavan e diria que os "teus sinais me confundem da cabeça aos pés", e o meu desejo segue te devorando dia e noite.
Lilly Farias
As horas se atropelam, os dias se atropelam e também as palavras. Me perco nos tropeços diários de uma existência nada além de cotidiana. Durmo, acordo, me olho no espelho... e é sempre a mesma pessoa. Leio, procuro e busco ser algo que eu nunca saberei que sou.
Agora o que eu quero realmente é parafrasear o Cazuza. Então, lá vai: "O nosso amor a gente inventa pra se distrair e quando acaba a gente pensa que ele nunca existiu".
Lilly Farias
Hoje eu grito. Hoje ardo na minha revolução. Minha bandeira é vermelha, é comunista, é egoísta, é ego-centrista! E eu ardo...
Hoje des-construo. Hoje des-espero. Hoje eu quero gritar bem forte e deixar todos os demônios sairem.
É maio. Distante de 68. Mas é o maio da minha revolução.
No frio da noite cinzenta está o incêndio de uma revolução armada, calada e isolada.
A guerrilha esfarrapada toma todas as cidades da minha alma. O grande ditador foi derrubado. Viva a revolução! Hoje é o começo de uma nova era.
Lilly Farias
Eu tenho suportado dolorosamente o peso da falta do seu sorriso. Eu tenho andado por ruas que não fazem sentido.
A casa é minha. O poema é meu. Eu fugi de casa. Eu me exilei, me afastei da felicidade.
A minha complexidade me torna incompreensível para mim mesma, tão absorta nos meus números, nas minhas letras, nas minhas imagens, nas minhas fotografias e nas minhas ilusões. No meu eu lírico sem pátria, tão patriota que é.
E eu não pretendo que alguém entenda a bagunça silenciosa dos meus gritos de desespero. Eu não espero que alguém entenda o que pra mim não faz sentido.
Lilly Farias
A melodia vem de longe. É como um canto fúnebre tocado em violinos e, ao meu lado, o cheiro dos lírios que foram trazidos pelas ondas do mar. Provavelmente jogado por alguma das benzedeiras negras, velhas e gordas, que os oferecem a Yemanjá.
Do outro lado da praia um jovem casal de namorados aqui encontravam leito para os seus amores, sob a terna lua do cais.
Eu, que já não sentia mais nada, vagava pela areia quente da praia nessas noites tão silentes. Eu, a lua e o vazio que reina em mim.
Lilly Farias
Quando eu o vi pela primeira vez, achei que ele se parecia com o ator que interpretava o Cazuza em um filme. E ele era inteligente e extremamente instigante.
E ele veio... a gente se perdia, se encontrava e se distanciava outra vez.
Quando eu estava perto dele, por vezes me cansava... e quando estava longe sentia falta de mim mesma.
Em dias frios e de um cinza triste, nós nos sentávamos na nossa antiga escadaria distante do resto do mundo, de frente para as melancólicas árvores mortas, bebíamos o nosso vinho barato e falávamos sobre a falta de sentido das palavras. Com ele, eu me sentia perto de um universo que agora me falta. Me falta uma parte de mim, uma parte que se perdeu.
Agora eu volto ao nosso sombrio lugar deserto. Eu me sento sem ninguém. É aqui que eu sinto a dor intragável da saudade, que nem o vinho e nem os milhares de cigarros conseguem acalmar. Nenhuma filosofia e nem todas as filosofias juntas serão capazes de substituir a falta de um filósofo.
Lilly Farias
Toda vez que você virava as costas, um pedaço de mim morria. Entre as minhas lágrimas eu aprendia o gosto amargo do degredo. Todas as coisas ao redor sumiam e o universo era um vazio cinzento e uma dor pungente.
Quando você partia, ia contigo a felicidade e o gosto das tardes de verão. Ia junto um pedaço de mim e a poeira ia se acumulando por todos os cantos da casa.
Eu conhecia a vida do teu lado e nunca mais ia saber viver sem ela. Eu conhecia a sua respiração quando você dormia e eu sabia reconhecer o som vibrante do seu sorriso. Mas agora tudo ia embora. Ia contigo as minhas crenças, a minha pátria, a vontade de viver e a cor cintilante dos fins de tarde. E eu ficava sem saber pra onde olhar, onde pôr as mãos e eu não sabia respirar.
E foi por amor que eu aprendi a ver você ir embora e me manter inteira, mesmo já sem muitos pedaços. Foi por faltar pedaços que eu quis de você mais do que alguém poderia ter para dar. Foi por faltar pedaços um dia que hoje sou um mosaico de obras de arte que usei para preencher os espaços vazios.
De cada lágrima que ficava na estação eu fiz uma fonte de onde brotavam sonhos. E os sonhos me fazem compania nesse exílio em que em vivo toda vez que você se vai.
Lilly Farias
Eu procuro poesias perdidas no teu rosto, nos seus olhos brilhando e nas tuas mãos que tremem. Eu procuro encontrar o poema que ficou perdido no escuro do pátio quando eu te deixei sozinho.
Eu procuro encontrar o sentido do amor que é real, mas que não necessita de concretude. E eu te procuro em cidades perdidas da minha memória, eu vejo você vagando pelos labirintos que eu criei.
O poema é indecifrável nos teus lábios que eu não consigo parar de olhar e é indizível no teu corpo perto do meu. O poema é infinito... É infinito como a certeza de te ter mais perto a cada instante e de ser sua até o último deles. É infinito como a calma de caminhar de noite sob da chuva, nas ruas de uma antiga civilização, embaixo de um guarda-chuva quebrado. É infinito como todos os poemas precisam ser.
Lilly Farias
No escuro do quarto ouço músicas que machucam. Tenho um cigarro, um pensamento e o vento que balança minha cortina.
Eu penso em ir embora, eu penso em ficar, eu penso em me casar e penso em me matar.
E nada é tão cinza quanto essas noites de vento frio.
Houve um tempo em que passeávamos pelas ruas geladas de uma cidade pequena. Era frio, mas nos amávamos e estávamos a muitos quilômetros de casa. Longe das falsas crenças, longe da segurança, longe das máscaras bonitas. Hoje estou apenas longe de você, mas sou imensamente feliz assim. Não é a mesma felicidade que me fazia sorrir igual a uma criança e segurar a barra do vestido pra correr na chuva. É uma felicidade solitária e imensamente real. É a felicidade de se saber longe da felicidade e perceber que não sente falta dela.
Lilly Farias
O rio corria sereno por baixo da ponte de madeira. Sentada nas pedras, eu me lavava na água. Lavava o meu corpo e minha alma. Uma voz me disse:  "Yemanjá, sua Mãe, lhe chama pra morar com ela no mar". Eu disse: "Eu vou, minha Mãe. Não tardo." E as águas, que também corriam pro mar, foram levando meu recado.
Lilly Farias
Eu passava minhas noites a vagar do cárcere dos meus ciúmes ao maravilhoso mundo das histórias alheias. Filmes, livros, pequenas histórias escritas, episódios narrados pelos amigos e até invenções da minha própria cabeça. Como viver a vida dos outros é bom! Como diria Machado de Assis, "também se goza por influição dos lábios que narram."
Eu vivi! Ah, como vivi! Passeei por terras distantes: da vida árida nos secos desertos, aos montes gelados da solidão. Fui monge, cavaleiro, soldado, donzela, rei, bobo da corte, carrasco, mendigo e palhaço. Fui cega e pude ver muito mais longe.
Nada melhor que ser milhões de pessoas nessas noites quentes de eterno verão.
Lilly Farias
Hoje eu descobri muita coisa que eu sempre soube. Essa é a grande distância entre o conhecimento e a sabedoria: um é teoria, o outro é prática.
A minha felicidade é sempre tão real no mundo que eu inventei... Afinal, "cada um de nós é um universo", não é mesmo, Raul? E na minha realidade tudo é tão perfeito que qualquer sopro é um vendaval. E eu crio, invento, descubro e redescubro verdades que são só minhas. Eu me tranco no quarto, faço planos impossíveis, brinco de jogo da verdade com a lua, faço desenhos coloridos no céu, me faço, me desfaço e invento histórias pra eu dormir.
E eu penso no mundo lá fora. Eu penso, penso, e por pensar, mais vontade eu tenho de voltar pros outros universos que são só meus.
Eu sei que existe uma flor branca que permaneceu intacta no meio de prédios em chamas. Um incêndio sob a chuva calma e suave de uma noite de dezembro.
E, aqui dentro, todas as minhas composições são imagens que se fundem e se misturam, formando um emaranhado geométrico de formas e cores. É assim que eu vejo. É assim que eu invento.
Lilly Farias
Vamos dar uma pausa: 15 minutos pra ser feliz e depois a gente continua.
Lilly Farias
Digo adeus pela segunda vez. Longos anos de distância e breves instantes de felicidade.
Foram usadas algumas desculpas para não viver e há covardia demais para tentar, enquanto lá fora continua chovendo. Conseguimos provar que o tempo não muda muito a natureza das coisas.
Fiz um poema visual. Várias partes do teu rosto, sempre tão fragmentadas. Fragmentadas como esses anos, fragmentadas como o teu silêncio e como as lembranças que eu guardo dos teus olhos, do timbre da tua voz e dos teus cabelos que têm a cor do sol da manhã de maio.
Eu não lembro quando você chegou, parece ter estado sempre presente em algum lugar discreto da minha história. E agora surgiu iluminando e tomando todo o espaço das imagens cotidianas. Uma luz que deixa todo o resto da paisagem desfocada.
Agora que você foi embora mais uma vez, a janela está aberta e o vento deixa o ar com cheiro de lírios do campo. Eu deixo os sentimentos antigos guardados e espero pela sua volta daqui a mais alguns anos.
Lilly Farias
O tempo presente e o espaço de "estar" é uma prisão. Estamos presos no momento presente. Enclausurados na percepção dos cinco sentidos, estáticos em uma realidade iludida.
A capacidade de transcender a realidade humana é mínima. Somos extremamente limitados.
Lilly Farias
A amiga que alegrava minhas manhãs acaba de virar a curva daquela estrada e não consigo mais enxergar sua sombra que se afasta. O rapaz meio sombrio, que era tão boa compania para um vinho barato nos fins de tarde monótonos, eu não vejo mais. As músicas antigas, cantadas e gritadas por uma juventude com cheiro de revolução pararam de tocar. Os papéis ficam amarelos e cheios de poeira nas caixas. E eu encaixoto meus sonhos, as imagens que guardei na lembrança, os cheiros e gostos da juventude. Encaixoto os velhos sentimentos e levanto, ainda atordoada, para dar novas cores ao pouco que sobrou.